As TVs Trinitron* e o abstracionismo das formas eletrônicas

Pesquisa e processo fotográfico revelam formas visuais abstratas formadas pelo universo eletrônico invisível das TVs fora do ar, sem programação.

Há alguns anos adormeci diante da TV e, sem perceber, encostei no controle remoto que mudou para um canal que estava fora do ar. Ao acordar sonolento, pisquei lentamente diante da TV e, numa fração de segundos, tive a impressão de ver uma forma geométrica na tela.

Tudo muito rápido, sem nenhuma imagem fixa ou nitidez. A partir desse momento, percebi que poderia haver um universo de imagens a ser explorado em canais de TV fora do ar. Imagens que, devido a sua velocidade, se projetam e somem não dando tempo para serem visualizadas a olho nu.

Dessa percepção surgiu meu interesse pelo fenômeno das imagens eletrônicas invisíveis existentes por trás dos tradicionais chuviscos das TVs Trinitron fora do ar e suas possibilidades plástico-visuais.

Para registrar esses fenômenos visuais, optei por uma câmera analógica, com película, um tripé e um disparador manual. Passei a utilizar minhas madrugadas para fazer essa experimentação fotográfica em frente de uma Trinitron de 29 polegadas.

Me sentia num garimpo eletrônico, tentando capturar uma imagem. Era preciso haver um momento sincrônico entre imagem fora do ar e as diferentes velocidades do obturador da câmera. Imagens que eram captadas sem serem visualizadas completamente. Apareciam para mim como espasmos eletrônicos, só tinha como conhecer o resultado após a revelação dos filmes.

Além da experiência estética, eu buscava uma reflexão sobre o tempo de permanência dessas imagens, sobre a sua não existência a olho nu e sobre seu carácter plástico visual, materializado pela experimentação fotográfica. O encontro de um fenômeno eletrônico com a fotografia.

Uma metáfora do tempo que vivemos e experiências que podemos obter em tempos que ainda não experimentamos.

*As TVs Trinitron foram lançadas no mercado pela empresa Sony no fim dos anos 1960 e, mais tarde, adotadas por diferentes marcas. Na época, era uma inovação que proporcionava imagens até 25% mais nítidas, graças ao tubos CRTs. Esses aparelhos começaram a ser substituídos por volta de 2006 pelas TVs de plasma e led. Em 2008, deixaram de ser fabricados, colocando um ponto final nesse tipo de imagem formada por fósforo e combinação de três tubos de elétrons.